Setor calçadista
Os cenários econômicos doméstico e internacional foram pauta de encontro com empresários e representantes de entidades setoriais durante o Análise de Cenários, realizado na terça-feira (25.09.18) no Locanda Hotel, em Novo Hamburgo/RS. O evento foi um promoção da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) em parceria com a Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal) e Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB).
O encontro iniciou com a exposição do doutor em economia Marcos Lélis, que falou sobre o panorama nacional, a influência da volatilidade cambial, a crise argentina e as perspectivas a médio e curto prazos para a economia brasileira. Segundo o especialista, existe um desaquecimento na demanda interna, que ganhou força a partir do início de 2018, depois de ter dado a “sensação de recuperação” em 2017. “No ano passado, especialmente no primeiro trimestre, tivemos a super safra, que fez com que o PIB crescesse, dando uma sensação de recuperação econômica, o que não se consolidou. Foi muito confete para pouca festa”, destacou, ressaltando que ao fato foi somada a liberação das contas inativas do FGTS. Assim, a previsão de crescimento do PIB nacional para 2018 caiu de 3% para 1,3%.
Para Lélis, outro fato que tem segurado a economia brasileira é a diminuição do crédito no mercado, especialmente o concedido por bancos públicos, como BNDES e Caixa Econômica Federal. “O fluxo de liberação de crédito público caiu de R$ 216 milhões, em janeiro de 2016, para menos R$ 83 milhões em julho deste ano”, disse, acrescentando que o fato não se repete com o financiamento privado, mas que a maior parte deste é para rolagem de dívidas antigas e não crédito novo. “Enquanto não tivermos crédito público no mercado, não teremos condições de recuperação da demanda”, projetou.
Segundo o economista, a taxa de subutilização da força de trabalho brasileira, na casa de 24%, também tem sido um empecilho para a recuperação econômica sustentável. “Além disso, a qualidade dos empregos gerados também é muito ruim, a maior parte é sem carteira assinada, o que prejudica a demanda”, ressaltou.
Inflação
A inflação de preços administrados pelo Governo – especialmente gasolina e energia elétrica – também foi citada pelo economista. Em maio de 2014, a inflação desses produtos estava em 6,9%, número que passou a 9,5% no mês passado, puxando a média para 4,2%, muito próximo da meta de 4,5%. “Com isso, o Banco Central já fala em aumentar a taxa de juros Selic, o que vai dificultar ainda mais a recuperação”, acrescentou Lélis.
Volatilidade
Também dificulta a sustentabilidade do crescimento econômico, a volatilidade cambial, provocada pela menor liquidez no mercado internacional, o aumento dos juros nos Estados Unidos – que provoca fuga de dólares dos países emergentes, caso do Brasil –-, a guerra comercial entre os norte-americanos e a China, além das incertezas acerca do pleito de outubro. “Esse é o pior momento possível para uma guerra tarifária, fato que tem provocado instabilidade no mercado internacional”, disse. Para ele, no entanto, o quadro pode mudar em novembro, com a eleição para o Congresso norte-americano. Os republicanos, segundo o doutor em economia, tendem a perder força, o que pode frustrar a política protecionista do presidente Donald Trump e, consequentemente, arrefecer a guerra comercial em curso.
Argentina
Lélis ressaltou, ainda, que a crise na Argentina não deve perder força a curto e médio prazos. Segundo ele, a desvalorização da moeda local, somada ao aumento dos juros básicos – hoje em 60% – tendem a aumentar a recessão no país vizinho, influenciado nas exportações brasileiras para lá. “A inflação de 34% ao mês é outro impeditivo para o aumento da demanda argentina”, explicou.
Calçados
Na segunda etapa do evento, a coordenadora de Inteligência de Mercado da Abicalçados, Priscila Linck, detalhou um panorama para o setor calçadista, tanto no ambiente doméstico como internacional. Segundo ela, existe uma queda na produção, impulsionada sobretudo pela menor demanda doméstica – que absorve 86% do total produzido pela indústria calçadista. No segundo semestre, a produção caiu 4,8%. “As exportações também não têm ajudado, com queda acumulada de mais de 10% no comparativo entre janeiro e agosto de 2018 com o mesmo período do ano passado”, pontua. A queda, segundo Priscila, foi provocada especialmente pela menor importação de calçados pelos Estados Unidos, que tem substituído seus fornecedores, especialmente pelo Vietnã e México e recentemente pela crise da Argentina, principal mercado internacional para o produto nacional.
Oportunidade
Após a apresentação do quadro de dificuldades para a indústria calçadista, o presidente-executivo da Abicalçados, Heitor Klein, ressaltou que o momento é de investimento em inovação e de sair da zona de conforto. “Apesar do quadro, hoje temos um setor capitalizado. Mesmo com a adaptação ao momento, fechamento de unidades, não verificamos volume significativo de fechamento de empresas. A China, por exemplo, vem despencando sua produção de calçados na casa de 800 milhões por ano, praticamente a nossa produção total. Os países asiáticos periféricos, que viram sua atividade crescer nos últimos anos, especialmente a partir de investimentos chineses, também têm um limite de crescimento”, disse.
Segundo Klein, atualmente, dois dos principais concorrentes para o calçado brasileiro no exterior são Portugal e México, especialmente o primeiro. “Temos que prestar atenção no que acontece em Portugal, que tem trabalhado fortemente em um upgrade da indústria, incorporado tecnologia. É o momento de fazermos o mesmo, trabalhando com empenho na estratégia de inovação”, concluiu o dirigente.